• 17 de setembro de 2004
A Receita Federal voltou a alcançar números recordes na arrecadação de tributos. No mês passado, a cobrança de tributos rendeu R$ 25,924 bilhões ao governo, o maior valor já registrado para um mês de agosto. O resultado é 22,42% maior do que o registrado em agosto de 2003 -já descontada a inflação do período. Nos primeiros oito meses do ano, a Receita arrecadou R$ 212,652 bilhões, R$ 20,752 bilhões a mais do que o obtido em igual período de 2003 -também excluído o efeito da inflação. Esse aumento reflete, principalmente, a maior arrecadação da Cofins, cujas alíquotas e base de cálculo foram alteradas. Neste ano, a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) passou a ser cobrada também sobre produtos importados. A medida resultou em arrecadação extra de R$ 6,819 bilhões de janeiro a agosto. A Receita projetava R$ 8 bilhões para o ano, mas deve elevar a estimativa. Pelas novas regras, nem todo o dinheiro arrecadado fica com o governo. A Cofins é recolhida quando o produto importado entra no país, mas o importador "recebe o valor de volta" (via crédito) quando vende a mercadoria. O secretário-adjunto da Receita Ricardo Pinheiro disse ontem que parte do aumento no recolhimento de tributos é explicada pela retomada do crescimento da economia. "Temos claramente a repercussão [na arrecadação] da atividade econômica registrada no país", disse. Citou como exemplo o aumento no volume do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o que, segundo ele, é conseqüência do bom desempenho da indústria nos últimos meses. A arrecadação recorde ajuda a explicar os resultados fiscais também recordes que o setor público tem registrado neste ano, embora o governo negue que tenha promovido aumento na carga tributária. "[O dinheiro arrecadado] não é suficiente para fazermos tudo o que precisamos. Mas a gente chega lá um dia", disse Pinheiro. A Receita projeta que irá recolher R$ 282 bilhões neste ano, mas admite rever esse valor diante dos resultados acima do esperado. Entre janeiro e julho -dado mais recente divulgado pelo governo-, o esforço fiscal feito por União, Estados, municípios e estatais resultou em economia de R$ 52,796 bilhões para o pagamento de juros da dívida. O superávit primário acumulado nos 12 meses encerrados em julho representava 4,65% do PIB (Produto Interno Bruto), acima da meta de 4,25% fixada para todo o ano. O elevado resultado fiscal tem feito com que o governo reduza a tributação para alguns setores específicos, como os de bens de capital e das aplicações financeiras. Além das maiores receitas originadas com a cobrança de tributos, o superávit primário obtido neste ano também reflete o corte de gastos promovido pelo governo. Muitos programas tidos como prioritários receberam menos recursos do que o planejado. Até o dia 27 de agosto, por exemplo, o programa Primeiro Emprego havia recebido, neste ano, apenas R$ 48 mil, o equivalente a 0,5% do valor orçado para 2004. A manutenção das rodovias federais, por sua vez, recebeu somente R$ 29 milhões dos R$ 940 milhões previstos. "Em apenas oito meses deste ano, o governo federal seqüestrou da sociedade brasileira um poder de compra eqüivalente a 1 milhão de carros populares." A comparação foi feita por Clóvis Panzarini, ex-coordenador tributário da Secretaria da Fazenda de São Paulo e diretor da CP Consultores Associados, ao analisar os números da arrecadação federal no mês passado divulgados ontem pela Receita Federal. Ele tomou por base os R$ 21 bilhões a mais arrecadados pela Receita no período de janeiro a agosto deste ano em relação ao mesmo período do ano anterior. Foram R$ 199,3 bilhões contra R$ 178,3 bilhões, respectivamente. O consultor faz questão de frisar que se trata de uma arrecadação adicional, ou seja, em termos reais, uma vez que os valores estão deflacionados pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Se forem usados os valores nominais (sem considerar os efeitos da inflação), a receita a mais neste ano é de R$ 31,6 bilhões -R$ 207,8 bilhões contra R$ 176,2 bilhões. "O governo nega que haja aumento da carga tributária, mas os números que ele mesmo divulga desmentem o discurso oficial." Apenas duas contribuições e um imposto foram os maiores responsáveis pela drenagem de recursos das empresas e pessoas físicas para os cofres da Receita. A maior parcela desse aumento vem da Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), com R$ 9,8 bilhões a mais: R$ 50,8 bilhões e R$ 41 bilhões. Dois detalhes chamam a atenção para dimensionar os efeitos da alta da Cofins de 3% para 7,6% (mais 153,3%), sem cumulatividade, e sua cobrança sobre as importações. O aumento vale desde fevereiro (como o primeiro pagamento foi em março, são apenas seis meses de receita sob essa forma de cálculo). No caso das importações, são apenas quatro meses (a taxação começou em maio). Para Gilberto Luiz do Amaral, presidente do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário), "o crescimento exagerado da arrecadação pode frear o crescimento que o país vem obtendo nos úl?????timos meses". Amaral estima que somente o aumento da Cofins seja responsável por 1,5 ponto percentual (dos 5,14%) da inflação medida pelo IPCA de janeiro a agosto de 2004. "A política de arrocho tributário, que onera praticamente todos os setores da economia, e o aumento dos juros esfriam o ânimo de alguns investidores, justamente no momento em que o crescimento industrial e o consumo dão sinais de recuperação." A CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) também ajudou a engordar os cofres da Receita -de janeiro a agosto, mais R$ 1,73 bilhão. Motivo: a base de cálculo das empresas prestadoras de serviços optantes pelo lucro presumido subiu de 12% para 32% (mais 166,7%). No caso do IR das pessoas físicas, o principal motivo para o aumento da receita é o congelamento da tabela de desconto na fonte e a manutenção da alíquota de 27,5%. "Sem correção da tabela, o ganho do governo equivale ao aumento da inflação", diz Panzarini. O governo suspendeu por ora planos de reduzir a tributação incidente sobre os bancos, numa tentativa de colaborar para a redução dos juros dos empréstimos bancários. Para Ricardo Pinheiro, secretário-adjunto da Receita Federal, seria grande a possibilidade de as instituições não repassarem aos clientes esse alívio fiscal. "Se eu fosse banqueiro, embolsava [o dinheiro economizado com o corte de tributos]", disse ontem Pinheiro. Para o secretário, a própria decisão do BC -que elevou os juros básicos da economia- mostra que, neste momento, reduzir custo de financiamento não é prioridade do governo. Fonte: FOLHA DE S.PAULO Data: (17/09/2004)