• 03 de agosto de 2004
Sonegação oculta verdade sobre carga tributária Se as atividades à margem da lei não fossem tão numerosas no Brasil, peso dos tributos chegaria a 53% do PIB, dando ao País o 1° lugar no ranking mundial da cobrança de impostos Heberth Xavier e Bianca Giannini - As atividades à margem da lei, que, por isso mesmo, não pagam impostos, ajudam a mascarar uma realidade cruel para a economia brasileira: sem incluir no cálculo a participação do contrabando, da pirataria ou da sonegação propriamente dita, a carga tributária do País seria a maior do mundo. Superior até se comparada à dos países nórdicos da Europa, como Suécia, Noruega ou Finlândia - historicamente, campeões na arrecadação de impostos e contribuições, até pela alta contrapartida em serviços públicos oferecida a seus cidadãos. A conclusão faz parte de estudo do Instituto Brasileiro de ?tica Concorrencial (Etco). Segundo o trabalho, sem a sonegação de impostos, o peso da carga tributária no País sobe de 35,68% para 53% do Produto Interno Bruto (PIB, a soma das riquezas geradas). Em outras palavras, de cada R$ 100 gerados na economia, R$ 53 iriam para os cofres públicos, sob a forma de impostos, taxas e contribuições. O cálculo da carga sem a participação das atividades que não pagam impostos (sobretudo a informalidade) é utilizado pelos economistas como uma forma de medir, efetivamente, o peso tributário em cima de quem de fato paga os tributos. Sem a participação da informalidade, o PIB fica 30% menor, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Dessa forma, o peso dos tributos sobre o PIB se eleva - no caso brasileiro, como as atividades à margem da cobrança da Receita Federal são numerosas, essa diferença é enorme, justificando o aumento de 35,68% para 53% do PIB na carga tributária. Essa carga "potencial" (os 53% do PIB) representa, na verdade, o real peso dos impostos, taxas e contribuições no bolso de quem os paga - e não uma média sobre toda a população (incluindo os sonegadores), como a embutida na carga tributária "bruta" (os 35,68% do PIB). A expectativa dos analistas é de que a carga tributária suba este ano para pelo menos 37% do PIB. Estaria atrás, porém, de países como a Suécia e a Noruega. Já a carga potencial colocaria o Brasil na liderança do ranking mundial de cobradores de impostos, ao lado da Suécia. "? um absurdo, pois nesses países europeus o estado oferece saúde, aposentadoria digna, educação, estradas com boa qualidade e segurança pública", diz o empresário Emerson Kapaz, presidente do Etco, uma organização não-governamental (ONG) criada em janeiro do ano passado pelas empresas de combustível, cerveja, refrigerantes e fumo, com o objetivo de propor soluções para enfrentar o que chamam de "concorrência desleal" - exatamente a exercida por empresas e pessoas que, à margem da lei, sonegam o pagamento de impostos. A carga tributária bruta de 35,68% do PIB já é um índice elevadíssimo para uma economia com o perfil da brasileira. Apenas os países mais ricos, cujos governos montaram uma generosa rede de serviços sociais para a população, têm um peso semelhante. Em outros, mais parecidos com o Brasil, o percentual é infinitamente menor: são os casos da Argentina, México e Chile, cujas cargas são de 17,40%, 18,30% e 17,33% do PIB, respectivamente. PR?MIO - Impostos tão altos, em muitos casos, são um prêmio à sonegação. Como o governo precisa do dinheiro dos impostos, acaba descontando a fatura em cima de quem cumpre a lei. Empresas e contribuintes são obrigados a recolher taxas e contribuições com alíquotas cada vez maiores, reiniciando o círculo vicioso. "O mérito do cálculo da carga potencial é esse, o de calcular como os impostos afetam a vida dos contribuintes, e não apenas uma média nacional, como é calculada a carga tributária bruta", lembra o presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Amaral. "Nossa carga já é uma das maiores do mundo, e se retirar a ilegalidade fica a maior do mundo", resume Kapaz. Na terça-feira, a Receita Federal anunciou os últimos números da arrecadação. A mordida de impostos e contribuições do governo chegou a R$ 153,75 bilhões no 1° semestre deste ano. O valor é 10,36% superior ao arrecadado entre janeiro e junho do ano passado. Com essa nova elevação, a previsão é de mais um aumento da carga tributária total no fim de 2004. No 1° trimestre, quando o peso dos impostos é tradicionalmente maior (em razão das despesas com IPTU, IPVA, entre outros), a carga atingiu 40,01% do PIB. Para Amaral, do IBPT, a tendência é de leve queda em relação a esse percentual recorde do início do ano. De qualquer modo, a projeção para o fim de dezembro é de que 2004 termine com uma carga tributária entre 37,5% e 38% do PIB - um percentual sem precedentes na história brasileira. Prejuízo de R$ 160 bi ao ano Brasil é um dos países que apresentam maior índice de atividades que não pagam imposto. Fiscais da Receita alertam que a ilegalidade impede a criação de 1,5 milhão de empregos Bianca Giannini De cada dez computadores comprados no Brasil, sete são i?????legais. Mais de 10% da pirataria musical no mundo acontece em terras brasileiras. Quase 80% do comércio varejista de alimentos pratica sonegação. Os cigarros contrabandeados representam 33% do total consumido no mercado nacional. Esses dados mostram um País dominado pela sonegação de impostos, falsificação, pirataria e contrabando de mercadorias. Crimes que sangram o Brasil em R$ 160 bilhões por ano. Para ter uma idéia de quanto isso representa, a arrecadação do governo com a CPMF chega a R$ 22 bilhões - ou menos de 15% do prejuízo com a sonegação. "Em grande medida, a alta incidência da sonegação, evasão e elisão de impostos faz do Brasil um grande Paraguai" Eduardo Giannetti da Fonseca, economista Um dossiê produzido pelo Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) revela que a indústria brasileira deixa de gerar 1,5 milhão de empregos a mais, por causa do contrabando e da pirataria. Indicadores que fazem do Brasil "um grande Paraguai", na opinião do economista Eduardo Giannetti da Fonseca. "Em grande medida, estamos iguais ao nosso vizinho, com a alta incidência da sonegação, evasão e elisão de impostos, além do contrabando e pirataria." Um estudo da empresa de consultoria McKinsey mostra que 40% da renda nacional vem da informalidade, saída encontrada por boa parte dos brasileiros para sobreviver à falta de empregos com carteira assinada. "Apesar do aspecto social, a informalidade é danosa sob vários ângulos. Além do prejuízo na arrecadação do País, causa danos à indústria, que sofre uma concorrência desleal. Segmentos inteiros de negócios foram estruturados para atender à sonegação. Muitas vezes com claras ramificações no crime organizado", diz o diretor da Unafisco, Rogério Said Calil. Estima-se que só o contrabando movimenta R$ 35 bilhões anuais. No topo da lista da pirataria e do contrabando estão os cigarros, combustíveis, produtos de informática, cervejas e refrigerantes. São 400 mil postos de trabalho a menos. No caso dos combustíveis, o volume vendido irregularmente no Brasil representa 7% do total, o equivalente a R$ 3,1 bilhões por ano em sonegação fiscal. O elevado índice de informalidade da economia afeta diretamente a produtividade das empresas e impede que o País cresça no mesmo ritmo de outras economias emergentes. Com o objetivo de ilustrar os efeitos da informalidade no desempenho da economia brasileira, a McKinsey faz uma simulação: um programa bem-sucedido de combate a práticas como a sonegação, o contrabando e a pirataria, que conseguisse reduzir em 20% o nível de informalidade na economia, resultaria em um ganho extra de produtividade de 1,5% ao ano no País. O Instituto Brasileiro de ?tica Concorrencial (Etco), encaminhou ao governo os estudos que mostram os danos da pirataria na economia brasileira. Em resposta, foi criado um grupo interministerial de combate à sonegação, pirataria e contrabando, presidido pelo delegado federal Clóvis da Silva Monteiro. Entre as principais propostas, estão o lançamento de campanhas de conscientização da sociedade para evitar a compra de mercadorias falsificadas e contrabandeadas, por meio da exigência de notas fiscais; e a ampliação das ações coordenadas de combate ao comércio ilegal na esfera federal. Segundo Emerson Kapaz, presidente do Etco, é necessária a maior integração dos órgãos do governo para o combate à pirataria. Como exemplo, ele lembra que a Secretaria de Direito Econômico (SDE) deixa de agir em casos de sonegação, por não ter os dados da Receita Federal. "A reforma tributária ajudará a reduzir o comércio ilegal. A alta carga de tributos aumenta o prêmio ao sonegador. Além disso, a burocracia para se abrir e fechar empresas e o achatamento da renda contribuem para o crescimento do comércio ilegal", diz. O estudo da consultoria McKinsey, que também serve como base para os trabalhos do comitê interministerial, mostra que o índice de informalidade no Brasil supera em mais de 20% a média de 133 países analisados em recente pesquisa do Banco Mundial (Bird). No agronegócio a situação é mais dramática: 90% da força de trabalho está na informalidade. O conjunto da informalidade afeta mais os setores da construção civil, farmacêutico, varejo alimentício e combustíveis. A redução da carga tributária é fundamental para que o País possa atenuar o problema da informalidade, na opinião do economista Eduardo Giannetti da Fonseca. Segundo ele, a questão não será resolvida apenas com base em fiscalização e punição, mas com redução do peso dos impostos, taxas e contribuições. A consultoria McKinsey sugere que o Brasil adote modelos de experiências vitoriosas no combate à informalidade como os aplicados na Espanha, onde o emprego formal saltou de 47% da população economicamente ativa, em 1994, para 60%, em 2002. Fonte: Site Sintaf/RS Data: (29/07/2004)