• 19 de novembro de 2010
 

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, terá na condução das contas públicas um de seus maiores desafios a partir de 2011, por conta da desconfiança gerada pelo relaxamento da política fiscal nos dois últimos anos. Mantega colheu bons resultados em sua gestão iniciada em 2006, como a aceleração do ritmo de crescimento, o bom desempenho da economia durante a crise global e a redução da desigualdade, mas a redução do superávit primário e a adoção de medidas controversas, como as megaoperações de capitalização do BNDES pelo Tesouro, afetaram a credibilidade fiscal do ministro.

Hoje, grande parte dos economistas - e não só os suspeitos de sempre - considera importante uma boa dose de austeridade nas contas públicas a partir de 2011, para abrir espaço para o país ter juros menos elevados e, por tabela, conter a valorização do câmbio.

O ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, diz que a política fiscal sob Mantega foi "muito frouxa", além de ter perdido muito em transparência. Não é apenas o inexpressivo esforço para pagar juros da dívida (o superávit primário) em 2009 e mantido em 2010 que incomoda Loyola, mas também a adoção de medidas de "contabilidade criativa", como o caso da capitalização da Petrobras, que gerou um saldo de R$ 31,9 bilhões incorporado ao resultado das contas públicas. Loyola diz que uma das qualidades importantes de um ministro da Fazenda é a disposição de reagir às pressões de outros ministérios e da sociedade por mais gastos. "Parece que Mantega não esteve tão engajado nisso, ou pelo menos não tinha apoio ou autoridade para isso."

Segundo um economista que trabalhou na equipe de Mantega, não é verdadeira a imagem do ministro que diz "sim" a qualquer pedido do presidente. "Era Mantega quem várias vezes peitava Lula, e não Dilma [Rousseff, a presidente eleita]", afirma ele, reconhecendo, porém, que neste ano o ministro, "como todo o governo", não resistiu a apelos por mais gastos, como havia feito em anos anteriores.

A exemplo de Loyola, o professor Márcio Garcia, da PUC-Rio, também diz que uma das principais funções do ministro da Fazenda é dizer "não". Para ele, Mantega não mostrou essa disposição, como indica o resultado fiscal recente. "Se essa tendência for mantida, o país arrisca a perder a credibilidade obtida ao longo dos últimos anos", afirma ele, criticando pesadamente as operações envolvendo o BNDES e a Petrobras. Garcia se diz cético quanto a uma eventual "conversão" do ministro à causa do aperto fiscal, dada a condução recente das contas públicas.

Alguns analistas, porém, destacam que Mantega é um economista disciplinado - como o define Loyola -, disposto a seguir as determinações do chefe. Com isso, se a disposição de Dilma for mesmo a de promover uma política fiscal mais austera, Mantega tenderia a seguir a orientação. "Uma das vantagens é que Mantega é flexível. Pode fazer o que a presidente mandar", diz um economista do mercado financeiro. "A questão é que até hoje Mantega mostrou grande empenho em destruir o superávit primário. Não se sabe se ele será competente para reconstruí-lo", pondera o mesmo economista.

Defensor de uma política fiscal austera, que tente buscar o déficit nominal zero (incluindo o pagamento de juros), o ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira tem uma visão mais positiva da gestão fiscal de Mantega. "Ele cumpriu as metas fiscais. A capitalização do BNDES, por sua vez, foi um grande sucesso. Houve crédito para a indústria sem causar a inflação. Foi uma política extremamente bem sucedida", diz Bresser. "Há economistas ortodoxos tolos, para quem a resposta para todos os problemas é mais ajuste fiscal, e economistas heterodoxos tolos, para os quais a resposta é sempre mais expansão fiscal. Mantega não está em nenhum dos dois grupos." Para Bresser, o ministro aumentou os gastos em resposta à crise global, quando era esperada a adoção de uma política fiscal anticíclica.

Ele aproveita para elogiar também a decisão de Mantega de adotar a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre a entrada de recursos estrangeiros. "Ele teve bastante coragem por quebrar o tabu do tema do controle de capitais. Era algo tido como pecado mortal pela sabedoria convencional", diz Bresser, crítico feroz do dólar barato.

O professor Fernando Cardim de Carvalho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também considera a iniciativa importante por enfrentar a valorização do câmbio, embora preferisse uma solução mais dura, como a definição de um prazo de permanência mínima para o capital - a chamada quarentena. "Mas foi na direção correta e ajudou a acabar com um tabu."

De modo geral, Cardim elogia a gestão de Mantega, lembrando que o país enfrentou a crise global e se saiu bastante bem. A Fazenda teve um papel ativo aí, com a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre veículos e eletrodomésticos, medida bem vista por Cardim e também por Loyola. "O saldo é positivo, embora a economia tenha algumas vulnerabilidades que estão se tornando dramáticas, como o câmbio valorizado e a deterioração do balanço de pagamentos", diz Cardim, citando outros desafios a serem enfrentados a partir de 2011.

O economista que trabalhou na equipe de Mantega e preferiu não se identificar ressalta "três ideias fixas" do ministro que, para ele, foram tiveram impacto muito positivo. "Ele insistiu na redução da TJLP [Taxa de Juros de Longo Prazo], na desoneração dos investimentos e nas reservas de US$ 200 bilhões. Houve um momento, em 2006, em que o BC queria parar a acumulação de reservas em US$ 70 bilhões. Com esse nível desejado pelo BC, talvez o país não tivesse passado tão bem pela crise."

Com informações: FENAFISCO