• 10 de novembro de 2010

O governo não precisa recriar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) para fortalecer as finanças públicas. O tributo foi extinto em 2007, mas isso não impediu que, nos anos seguintes, a arrecadação federal continuasse crescendo em ritmo forte. A perda da CPMF, que em seu último ano de vigência recolheu quase R$ 40 bilhões aos cofres públicos, também não fez Brasília conter a acelerada expansão dos gastos.

Em 2008, o primeiro ano sem CPMF, o governo federal arrecadou R$ 675,3 bilhões (em valores de dezembro daquele ano). No último trimestre do ano, o Brasil foi fortemente atingido pela crise financeira mundial e a economia praticamente parou. Ainda assim, o governo arrecadou, em termos reais (já considerado o efeito da inflação), R$ 43 bilhões a mais do que conseguira em 2007 (ver tabela).

Aquele resultado, expressão de um crescimento real de 6,81%, mais do que compensou a perda da CPMF. Lembre-se que, na ocasião, o governo aumentou a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), arrecadando, em 2008, 145,6% a mais com esse tributo do que havia feito no ano anterior.

Em 2009, por causa da crise mundial, a arrecadação total da União recuou 3,05% em relação a 2008. Em 2010, no entanto, com o Produto Interno Bruto (PIB) voltando a crescer de forma robusta, a máquina arrecadadora tornou a bater recordes de recolhimento de impostos - de janeiro a setembro, as receitas cresceram 12,23%, em termos reais, ou R$ 60,8 bilhões a mais do que no mesmo período de 2009.

A economia brasileira deve crescer 7,5% este ano, segundo projeção do Ministério da Fazenda. É bem provável que, apesar da piora no cenário internacional, o PIB siga crescendo em ritmo acelerado em 2011 e, possivelmente, nos anos seguintes. As expectativas oficiais e de mercado apontam para uma expansão anual média entre 4,5% e 5% nesse período. Esta tem sido a média desde 2007, com a exceção justificada de 2009, por causa dos efeitos da crise internacional (naquele ano, o PIB encolheu 0,2%).

Como o sistema tributário brasileiro é pró-cíclico, é razoável supor que as receitas continuarão crescendo de maneira vigorosa nos próximos meses e anos. Nesse contexto, fica difícil para o novo governo justificar a proposta de recriação da CPMF. Durante a campanha, a presidente eleita, Dilma Rousseff, rejeitou essa possibilidade, mas, agora, admite negociá-la. Se fizer isso, certamente gastará, já no início do seu mandato, parte do capital político que recebeu das urnas.

Quando o Congresso rejeitou a prorrogação da CPMF, o governo Lula tinha duas alternativas para compensar a perda do tributo: aumentar alíquotas de outros impostos ou cortar gastos para adequar o orçamento à nova realidade. Sem pestanejar, optou pela primeira e fez o oposto do recomendável em relação à segunda. Seguiu o caminho mais fácil do ponto de vista político.

Dados do Tesouro Nacional mostram que em 2008, o ano em que já não podia contar com o dinheiro da CPMF, o governo aumentou o gasto com pessoal em mais de R$ 14 bilhões - infelizmente, o Tesouro divulga seus valores em termos nominais; uma atualização monetária mostraria números mais polpudos. Naquele mesmo ano, a despesa previdenciária também cresceu R$ 14 bilhões.

Em 2009, ano de crise e de recessão no Brasil, o governo não se constrangeu em novamente aumentar a despesa de pessoal, e desta vez de maneira mais generosa - o dispêndio cresceu R$ 21 bilhões. O gasto com a Previdência Social também teve outro salto - de R$ 25 bilhões. Em 2010, até setembro, pessoal já havia crescido R$ 10 bilhões em relação a 2009 e Previdência, R$ 22 bilhões.

É importante lembrar que, apesar dos méritos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a evolução do investimento público federal no período mencionado foi tímida. Entre 2007 e 2009, segundo dados do Ministério da Fazenda, o salto dessa despesa foi de apenas 0,3% do PIB (pouco mais de R$ 10 bilhões).

Quanto mais o governo mostra disposição para gastar, menor é a propensão da sociedade em aceitar a criação de novos impostos. A carga tributária do Brasil já é a maior do mundo em desenvolvimento e a queda da CPMF refletiu justamente o esgotamento dos brasileiros com essa situação. Se o Estado pelo menos oferecesse, em troca, serviços compatíveis com o volume de impostos cobrados.

 

 

Autoria: Cristiano Romero - VALOR ECONÔMICO