• 22 de novembro de 2010

Convidado a permanecer no cargo e fazer parte do governo Dilma, o ministro da Fazenda, precisará agora efetuar ajustes na política econômica para incentivar o aumento dos investimentos e preservar os ventos que sopram à favor do país

Há quatro anos e meio, quando assumiu o Ministério da Fazenda, Guido Mantega, tradicional quadro do time econômico petista, fez o elogio da austeridade. Disse que buscaria cortar os gastos públicos de modo a permitir a redução da taxa de juros. Não foi bem assim. As despesas do governo cresceram a um ritmo superior ao do PIB durante sua gestão, particularmente no período que antecedeu a campanha eleitoral. Mantega não cumpriu a meta de zerar o déficit nas contas públicas, escorando-se na justificativa de que a crise dificultou o equilíbrio fiscal. Não avançou também seu projeto de aliviar a carga de impostos que incide sobre as contratações, e assim estimular o emprego formal. Convidado pela presidente eleita, Dilma Rousseff, a permanecer no posto, o economista ganha agora nova oportunidade para executar os ajustes saudáveis outrora prometidos. Ate a sexta-feira passada, seguia incerto o destino do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Na próxima semana, Dilma vai se reunir com Meirelles e discutir sua eventual permanência à frente do BC. O primeiro desafio da equipe econômica será enfrentar a ameaça de aumento da inflação.

1- INFLAÇÃO

Mesmo antes da posse de DiIma, Mantega e Meirelles terão de avaliar se o país passa por um superaquecimento, situação em que a economia cresce num ritmo acima do saudável e pressiona os preços para cima. Com o desemprego em nível historicamente baixo e o aumento contínuo da renda, a massa salarial, que representa o montante total recebido pelas famílias, subiu cerca de 10% neste ano. Apenas nas seis maiores regiões metropolitanas do país, foram 3 bilhões de reais a mais na economia. A conjuntura favorável incentiva os reajustes. Serviços como os de cabeleireiros e empregados domésticos, que não enfrentam a concorrência dos importados, ficaram 7,3% mais caros no ano.

Além das questões internas, as matérias-primas e os alimentos registram fortes altas nos mercados internacionais, com reflexos no Brasil. Tudo somado, a inflação voltou a subir mais intensamente nos dois últimos meses e deve encerrar o ano em 5,5%, acima do objetivo central perseguido pelo governo, de 4,5%, e a maior taxa desde 2008. Economistas argumentam que o BC já deveria estar subindo os juros. Enquanto isso não ocorre, sobem as projeções para o reajuste de preços no próximo ano. Ao redor do mundo, outros países já começaram a elevar os juros para conter a inflação, como foi o caso da Índia, da China e da Austrália. Se Meirelles não permanecer, teme-se que a meta de 4,5% vire na verdade piso. Mantega favoreceria a tolerância com uma inflação mais elevada para manter a economia aquecida. Seria um retrocesso. O Brasil já está entre os países mais tolerantes com inflação no mundo. Entre os emergentes que utilizam o sistema de metas de inflação, o alvo fica em torno de 3%.

2 - GASTOS PÚBLICOS

Sem a contribuição da política fiscal - a contenção do avanço da gastança pública -, o controle da inflação recai todo nos ombros do Banco Central "que se vê na contingência de aumentar a taxa de juros, diz André Sacconato, economista da consultoria Tendências: "Adiar o enfrentamento da questão fiscal, que aliviaria a pressão sobre a demanda e permitiria a redução dos juros, afetará não só o crescimento imediato como o de médio e longo prazo, porque limitará o potencial de avanço do país". Entre 2002 e 2009, as despesas com pessoal e encargos subiram 120%, o dobro da inflação. Os sinais para 2011 não são promissores. A proposta do Orçamento prevê aumento de 9% nessas despesas, acima da inflação projetada, de 5,5%.

Segundo dados do economista político Alexandre Marinis, sócio da consultoria Mosaico, o governo gasta anualmente 87% de suas receitas com o aumento do funcionalismo e no custeio da máquina. É o resultado da contratação de mais de 200.000 novos servidores e da concessão de aumentos salariais generosos.  Afirma Marinis: "Desde 2008, o governo relaxou excessivamente a política fiscal, tornando difícil a redução nas taxas de juros". O discutido reajuste do salário mínimo, que pode superar com folga a inflação deste ano devido à pressão de centrais sindicais e congressistas, restringiria ainda mais o já escasso investimento do governo em infraestrutura, outro obstáculo que emperra o potencial de crescimento. Cada real de aumento no mínimo representa um gasto adicional de 286 milhões de reais ao ano para o governo, por causa do reajuste de benefícios.

3-  INFRAESTRUTURA
Segundo um relatório do banco americano Morgan Stanley, o Brasil precisará dobrar os investimentos em infraestrutura, para um nível de ao menos 4% do PIB ao ano, se quiser crescer a uma taxa anual de 5% na próxima década. Como comparação a Índia e a China aplicam o equivalente a mais de 7% nessa área. Desde a década de 80, o Brasil tem reduzido os investimentos. Na década de 70, o país aplicava, em media, 5,4% de seu PIB em infraestrutura, como novas estradas e hidrelétricas. Nos anos 2000, essa taxa caiu para menos da metade. De 2003 a 2008, segundo a consultoria americana McKinsey, a Infraero investiu 600 milhões de reais por ano. Para atender a demanda nos aeroportos até 2014, a estatal precisará elevar a quantia para 2 bilhões de reais.  Dos vinte principais aeroportos nacionais, treze já apresentaram gargalos nos terminais de passageiros. Na semana passada, o presidente da Iata, a principal associação mundial de companhias aéreas, Giovanni Bisignani, afirmou que a infraestrutura brasileira e um "desastre crescente". O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), lançado em 2007, não atingiu metade de suas metas. Diz Adriano Pires, diretor fundador do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE): "Corremos sério risco de um apagão de infraestrutura, se o governo preferir tocar as obras sozinho a entregá-las a iniciativa privada".

4 - CORRUPÇÃO

A corrupção e tão antiga quanto universal. O pensador grego Aristóteles considerava o desvio moral como a negação do próprio ser. Séculos depois, o tema voltou a ser discutido pelo iluminista francês Montesquieu, para quem a corrupção leva ao descrédito das instituições e dos dirigentes governamentais. No Brasil o custo está longe de ser apenas moral. Segundo um estudo do departamento técnico da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o país perdeu, em média, 41,5 bilhões de reais por ano com recursos desviados para o pagamento de práticas corruptas desde 1990. Trata-se de um montante equivalente a 1,38% do PIB em valores de 2008, que, se investido, poderia hoje duplicar o número de leitos do Sistema Único de Saúde (SUS), ou elevar pela metade o número de alunos da rede pública matriculados no ensino fundamental.

Esse valor não diz respeito ao volume amealhado pelos larápios do dinheiro publico. O montante representa a riqueza que o país deixa de criar por causa da gatunagem, como resultado da ineficiência dos gastos públicos. Para chegarem ao custo da corrupção os economistas cruzaram dados do Índice de Percepção de Corrupção, publicado anualmente pela ONG Transparência Internacional, com informações colhidas de indicadores nacionais, como PIB per capita e risco-país. Verificou-se que havia uma correlação entre o índice de corrupção, baseado em pesquisas de opinião de empresários e instituições públicas, e os dados econômico-financeiros. Em geral, quanto mais corrupto um país, menor seu PIB per capita. No ranking da Transparência Internacional, o Brasil ocupa o 69° lugar entre 178 países segundo o nível de corrupção percebida, numa escala que vai de zero a 10 (em que zero corresponde ao grau máximo de corrupção e 10 ao mínimo). Combater esse mal não faz parte das atribuições diretas de Mantega, mas, dado o custo econômico, deveria sim fazer parte de suas preocupações como ministro.

5 - TRIBUTAÇÃO

Apontada há anos como uma das medidas mais necessárias para reforçar a competitividade da economia brasileira, a reforma tributária não saiu do lugar mesmo com os recordes de popularidade - e de apoio do Congresso - conquistados pelo presidente Lula. Esbarra na falta de empenho do governo e nos interesses conflituosos dos congressistas, o que trava qualquer tipo de avanço. Uma boa iniciativa para driblar tais barreiras partiu do Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito da FGV-SP, que encaminhará as autoridades, no início de 2011, um conjunto de propostas que não dependam do Congresso para simplificar a vida do brasileiro. Uma delas prevê que o Fisco assuma a responsabilidade pelo cálculo dos tributos devidos pelas empresas, a exemplo do que já ocorre com o imposto de renda. Isso reduziria os gastos de centenas de milhões de reais do setor privado com o chamado "planejamento tributário", ou seja, com a interpretação da lei e das centenas de normas.

O Brasil é o país onde as empresas mais gastam tempo para cumprir as exigências tributárias: 2.600 horas por ano (ou 108 dias). Diz Eurico de Santi, da FGV: "No momento em que a Receita tiver o trabalho que hoje cabe ao setor privado, finalmente vai se mobilizar para simplificar o emaranhado de leis que causam a  perniciosa insegurança jurídica.

 

Com informações: Revista Veja