• 07 de fevereiro de 2011
 

As discussões a respeito do contingenciamento de gastos a ser conduzido pelo governo federal suscitaram o debate sobre o futuro da política fiscal e seu papel na composição de uma nova política econômica. Isto é, como aliar o objetivo de ampliar as taxas de crescimento econômico, manter a estabilidade e o controle de preços e, concomitantemente, conduzir o processo de queda de juros reais preconizado pelo governo Dilma, aumentando a formação bruta de capital fixo?

Tudo começa no ajuste fiscal. A adoção do discurso de maior austeridade, desde o final do ano passado, pela equipe econômica e pelo novo governo que, ao decidir sobre o salário mínimo, por exemplo, mostrou disposição em concretizar uma estratégia de contenção fiscal, foi um passo importante. No entanto, espera-se, agora, o anúncio do contingenciamento de despesas sobre um orçamento que, inflado pelo Congresso, precisará sofrer significativo ajuste por parte do executivo.

Mais do que isso, será preciso que o governo sinalize e formalize, ao longo do ano, uma estratégia verdadeiramente austera, que culmine no cumprimento da meta cheia de superávit primário sem "contabilidade criativa". A credibilidade e a formação de expectativas, muito mais do que o resultado, em si, deveriam ser os principais alvos da atuação desta nova política fiscal.

Cálculos da Tendências conduziram a um patamar elevado a ser contingenciado, considerando a projeção de receitas líquidas do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2011 (R$ 804,9 bilhões) e as despesas totais contidas no PLOA já aprovado pelo Congresso (R$ 773,6 bilhões). Fixando as despesas no valor proposto pelo Legislativo, chegamos ao resultado primário hipotético e comparável à meta de R$ 81,8 bilhões (ou 2,1% do PIB). Ou seja, podemos concluir que o governo teria que fazer um esforço de contingenciamento de R$ 54,5 bilhões para atingi-lo.

Contudo, as questões recorrentes se referem o que cortar e se há espaço para cortar. Observando a desagregação das despesas discricionárias, pelo PLOA (conforme enviado pelo Executivo), apenas para entender que também este tipo de despesa guarda rigidez elevada, nota-se que há, de fato, pouco espaço para "grandes" mudanças no curto prazo (um ano). As despesas discricionárias são compostas por: saúde (30%), educação (13%), Bolsa Família (7%), PAC (22%) e demais (28%).

Grosso modo, o governo precisaria centralizar os cortes nas "demais", já que saúde, educação, Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e Bolsa Família estariam blindadas. O grupo das demais inclui gastos de cerca de R$ 30 bilhões, que vão da Advocacia-Geral da União ao Ministério da Fazenda, o que sugere haver margem para cortes não desprezível, por não se tratar de investimentos ou gastos obrigatórios. Ainda, pela comparação entre o PLOA enviado pelo Executivo e o aprovado pelo Congresso, nota-se que as "discricionárias + PAC" foram infladas em R$ 18 bilhões.

Contudo, mesmo com tais ajustes, não seria possível chegar ao total de R$ 54,5 bilhões, o que exigiria um contingenciamento no orçamento dos investimentos, não necessariamente dos programas específicos do PAC, mas de projetos de infraestrutura. Isto não significa, no entanto, um "problema", por si só. O fato é que o governo poderia avançar em relação ao nível de gastos do PAC de 2010, por exemplo, e ainda assim contingenciar, uma vez que cortar orçamento não é cortar execução de gastos, é cortar a previsão de gastos.

Vale lembrar que, se ocorrer, portanto, um corte de investimentos no orçamento, como parece ser necessário, isso não significará uma paralisação de obras ou algo do gênero, mas apenas uma contenção ou um ajuste de curto prazo para comportar uma estratégia fiscal mais austera e que permitirá ampliar os dispêndios nesta área em prazo maior. A alternativa seria uma adequação na despesa de pessoal, da qual não se sabe o espaço exato existente, mas que poderia sofrer alguma adequação de modo a minimizar o ajuste no investimento.

Assim, nosso cálculo de contingenciamento, em 2011, considera os seguintes pontos:

1) Corte total do avanço feito pelo Congresso nas discricionárias: -R$ 18 bilhões.

2) Corte de 40% nas discricionárias dos ministérios ligados à produção: -R$ 2,7 bilhões.

3) Corte de 30% no orçamento das discricionárias de infraestrutura: -R$ 14,5 bilhões.

4) Corte de 65,5% no orçamento das demais discricionárias: -R$ 19,3 bilhões.

Total: -R$ 54,5 bilhões.

Isto permitiria ao governo manter um orçamento bastante robusto para infraestrutura, por exemplo, ainda que com sacrifício de parte do montante previsto para as demais áreas, além do programa. A alternativa seria apertar ainda mais os gastos de custeio, nas demais despesas discricionárias, o que custaria caro politicamente, mas traria, evidentemente, melhor resultado do ponto de vista macroeconômico. No curto prazo, não adianta pensar que haverá um choque para baixo no custeio, pois não virá. Os gastos com pessoal, que são o foco do problema, só mudarão com mais tempo. No curto prazo, o espaço é bastante reduzido neste campo.

Destarte, o que o governo precisará mostrar, com todos os números e sinalizações, será muito mais do que cortes e percentuais. Será, sim, a disposição em reverter as distorções praticadas recentemente nas contas públicas, interrompendo a deterioração promovida no campo fiscal e reconstituindo um sistema de metas para o superávit primário que seja crível e transmita, minimamente, informações relevantes para o acompanhamento da evolução da dinâmica fiscal. É imprescindível que, em 2011, a meta seja cumprida sem o uso de contabilidade criativa, muito mais pela sinalização do que pelo esforço efetivo gerado. Isto é, não são os investimentos ou rubricas de programas "x, y ou z" que estão em jogo, mesmo porque o Orçamento é sempre superestimado (basta ver que foi gasto, em 2010, pouco mais de R$ 22 bilhões com o PAC, quando o Orçamento permitia quase R$ 34 bilhões).

Com informações: site FENAFISCO