• 31 de maio de 2011
ENTREVISTA - Paulo Rabello de Castro, coordenador do Movimento Brasil Eficiente

Quase 100 entidades de classe, representando os mais diversos setores, chegaram a uma conclusão que consideram "lamentável". No curto prazo, a carga tributária brasileira não pode cair, porque o governo não consegue economizar o suficiente. A proposta do grupo, chamado de Movimento Brasil Eficiente (MBE), é uma "reforma tributária simplificadora".

Segundo Paulo Rabello de Castro, coordenador do MBE, a ideia é agrupar os principais tributos pagos no País sem mexer na arrecadação da União, Estados e municípios. "O brasileiro vai ter uma visão total - aliás, horrorosa - de quanto paga de imposto no supermercado ou na casa de material de construção. Com isso terá um ganho no seu poder de cidadania", diz.

O economista apoia a estratégia da presidente Dilma Rousseff de apresentar uma reforma tributária fatiada ao Congresso. "Na essência, é a mesma que a nossa", afirma. Também é a favor da desoneração da folha de pagamento como propõe o governo, mas é contra a incidência do imposto sobre o faturamento das empresas e prefere a geração de caixa. A seguir trechos da entrevista ao Estado.

O Brasil precisa de uma ampla reforma tributária?

A carga tributária cresceu nada menos do que 10 pontos de porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB) nos últimos 10 anos. É um ponto porcentual do PIB ao ano, o que é uma catástrofe para a formação de capital. A formação de capital depende que os lucros gerados pelas empresas permaneçam em suas mãos para reinvestir. Isso não acontece quando a maior parte é desviado para pagar o aumento da carga tributária. Não há outra razão pela qual o investimento brasileiro em relação ao PIB ficou estatelado em 16%, um nível que não suporta um crescimento de mais de 4% ao ano.

Sempre se fala em reforma tributária, mas nunca se chega a um consenso político. É possível fazer uma reforma deste tipo?

Sim. A proposta do MBE quer ser antes de mais nada objetiva e passível de aprovação rápida. Por isso, parte de uma constatação prática e lamentável: a carga tributária brasileira não pode baixar a curto prazo, devido à incapacidade do governo de fazer um aperto em suas contas. O que precisamos introduzir agora é uma simplificação fiscal.

Como?

O primeiro passo da reforma é estritamente simplificar a estrutura tributária e não mexer na divisão da arrecadação. Queremos reempacotar tributos que hoje incidem sobre o mesmo fato gerador. Por exemplo, o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) seria transformado num imposto nacional. Esse imposto seria arrecadado de uma vez e redistribuído automaticamente nas mesmas proporções que cada Estado ou município envolvido na transação tem direito hoje. No início, podemos fazer alguns meses de simulação para garantir que cada um receba sua fatia. Seria uma espécie de URV fiscal, nos mesmos moldes de quando fizemos a estabilização. (No Plano Real, o governo utilizou a Unidade Real de Valor - URV - para estabelecer o preço dos produtos).

O contribuinte pagaria apenas uma tarifa de ICMS?

Grupos de produtos diferentes continuam com alíquotas de ICMS diferenciadas, como ocorre hoje com alimentos e remédios, mas seria a mesma tarifa em todo o País paga de uma vez. Não seria apenas o ICMS. Esse imposto nacional também empacotaria o famigerado IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados). O IPI é um imposto anacrônico e o Brasil é o único país do mundo que taxa a industrialização. Também estariam embutidas a Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico), a Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) e o PIS (Programa de Integração Social). Portanto, cinco tributos viram uma coisa só.

Como essa arrecadação seria distribuída?

A UVR fiscal vai dizer em que proporção. Um trabalho conjunto do Confaz (Conselho Nacional de Política Fazendária) e da Receita Federal vão estabelecer as alíquotas totais e dar tranquilidade para o processo. No final, União, Estados e municípios arrecadam o mesmo, mas de forma mais transparente. O consumidor vai ter uma visão total - aliás, horrorosa - de quanto paga de imposto no supermercado, na casa de material de construção. Com isso, terá um ganho no seu poder de cidadania. É um direito nosso e esperamos que seja concedido ainda em 2011. É como a abolição da escravatura. Os políticos tinham que ter vergonha de usurpar a cidadania fiscal dos brasileiros.

PIS e Cofins são impostos da União, mas o senhor pretende que essa reforma seja neutra. O que a União ganha em troca?

O Imposto de Renda (IR). O que arrumaria muito bem as finanças públicas, porque o IR é um imposto federal, controlado pela Receita, que não deveria ser compartilhado. Com um IR federal, será possível consolidar também a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), que não tem razão de existir. É mais uma contribuição inventada, para que a União não tenha que partilhar essa arrecadação. O IR federal acaba com essa palhaçada fiscal. Também é possível somar a contribuição patronal à Previdência nesse grande imposto. A nossa proposta é que todo esse IR graúdo seja destinado a pagar a previdência. É mais de 10% do PIB, mas é isso mesmo que gostaríamos que fosse esclarecido para a população. A Previdência pesa no bolso do contribuinte mais de 10% do PIB. É preciso provocar uma reflexão na família brasileira do esforço que está nas costas daqueles que trabalham.

Pela sua proposta, o que aconteceria com a contribuição do trabalhador para a Previdência?

Esses 8% do salário continuariam sendo arrecadados sobre a própria folha de pagamento. Mas hoje as pessoas não tem a percepção de que é um investimento, mas sim um desconto. No momento em que tiverem uma conta nominativa, que pode ser verificada com um cartão magnético, e que recebam um juro ainda que mínimo, terão a percepção de que são poupadores para sua própria Previdência. Ao final de cada ano, o governo vai tomar emprestado esses recursos e cada trabalhador passará ser o feliz proprietário de 0,0001% da usina de Jirau, do trem-bala e de outros projetos que o governo se meter. Esse dinheiro vai 100% para a infraestrutura e esses recursos vão dar um salto na capacidade de investimento do governo. Do ponto de vista pedagógico é algo extraordinário. Cada brasileiro vai se perceber como poupador e vai querer saber da rentabilidade dos projetos públicos.

E como estariam organizados os demais impostos pagos pelos brasileiros?

Na reforma simplificadora, teríamos ainda um grupo de impostos regulatórios, porque tem uma função diferente, que não é arrecadar, mas regular a atividade econômica. São eles o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e o II (Imposto de Importação). E ainda haveria um último grupo de impostos tipicamente locais. Temos o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano), o IPVA (Imposto sobre a Circulação de Automóveis), o ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), entre outros. É impressionante quanto imposto o brasileiro paga.

Mas deixar todos esses impostos separados não vai contra a essência da reforma simplificadora?

Neste caso, não. Os brasileiros tem bastante clareza do peso desses impostos e é por isso que o IPTU gera tanta reclamação. Muita gente deixa de passar a escritura ao comprar um apartamento para fugir do ITBI.

Com a reforma simplificadora, vai ficar evidente o quanto os brasileiros pagam de imposto e qual é a finalidade. Então vai gerar uma insatisfação nas pessoas?

É isso que nós esperamos. Não fugimos do fato que estamos fazendo uma proposta para aumentar o grau de insatisfação dos cidadãos. É como a liberação dos escravos. Quando compram uma mercadoria, as classes C e D não sabem quanto pagam de imposto. Estamos conformados com essa infâmia toda, porque o sistema é muito malandro. O sistema está armado para o cidadão achar que tira mais do Estado do que paga e é o contrário.

O governo Dilma Rousseff está trabalhando por uma reforma tributária fatiada. É suficiente?

A proposta do governo é compatível com a nossa. Concordo com essa estratégia, porque diminui a negociação em seu aspecto espúrio. Uma reforma simplificadora não pode ser alvo de muita modificação no Congresso. Não é uma tentativa de manietar o Congresso, mas ou a reforma é simplificadora ou não é.

A atual administração propõe a desoneração da folha de pagamento e chegou a sugerir que os impostos incidam sobre o faturamento das empresas. O senhor concorda?

Óbvio que concordo com a desoneração da folha de pagamento. Essa é a contribuição mais onerosa para o contrato de trabalho. A alternativa que sempre aparece é o faturamento. Só que o fato de a empresa estar faturando não é demonstração de capacidade de contribuição fiscal. O imposto deveria incidir sobre a geração de caixa. É só aí que está demonstrado todo o processo produtivo. A neutralidade dessa incidência é fabulosa. Se a empresa ganha muito dinheiro, contribui mais. Se foi afetada por alguma má fase do setor ou por um tropeço empresarial, o governo automaticamente dá uma colaboração e a empresa mantém os empregos. Por exemplo, uma grande empresa mineradora. Todos sempre querem taxar mais essa empresa, elevar o imposto de exportação. Não é necessário. Se ela tiver uma geração de caixa excepcional, dá uma contribuição excepcional para a Previdência. É muito mais inteligente que taxar o faturamento, que vai gerar um crédito para evitar a incidência em cascata. Taxar o faturamento é uma maldade porque a empresa mal começou a vender e o governo guloso já bicou o faturamento bruto.

Uma reforma simplificadora tem benefícios, mas não vai permitir que a arrecadação cresça menos que o PIB e abra espaço para o investimento.

Para isso, será necessário criar um grupo permanente de trabalho no governo federal, com a audiência dos governos estaduais, municipais e da sociedade, para acompanhar a manutenção da carga tributária e sua gradual queda ao longo dos próximos dez anos. A Lei de Responsabilidade Fiscal já prevê a criação de um conselho de gestão fiscal. Isso vai dar uma base técnica para a discussão futura, que é a redistribuição federativa. O que nós queremos agora é simplificar.

 

Com informações: site FENAFISCO