• 17 de setembro de 2012
Os leitores do Correio foram apresentados ontem a Francinete Coutinho, 25 anos, uma nova contribuinte brasileira. O que lhe confere esse status não é o fato de tirar dinheiro do orçamento doméstico para sustentar as contas do Estado. Isso ela já fazia há muito tempo. Assim como os vizinhos, moradores da região de chácaras Santa Luzia, perto da Vila Estrutural, ela e o marido pagam em tributos aproximadamente metade da renda. O casal consegue R$ 400 coletando materiais recicláveis no lixão próximo.
A novidade é que recentemente Francinete descobriu que os impostos saem do seu bolso em todos o produtos que compra. Antes, ela pensava que só havia tributos nas contas de água e luz, que ela não paga, por não dispor do serviço de forma regularizada. A consciência de que ajuda a sustentar as contas públicas é o que faz dela uma contribuinte de fato. E esse avanço é algo que não pode ser dissociado da revolução por que passa o Brasil, com a ascensão social e econômica de tantos brasileiros.
Fala-se bastante da nova classe média, com o aparecimento de milhões de consumidores que passam a ter acesso a outro padrão de consumo, pagando prestação de casa, de carro e eletrodomésticos. E também buscando acesso ao ensino superior para si e para os filhos. São pessoas que tendem a se informar melhor, e a ter uma ideia mais clara de seus direitos e obrigações como cidadãos.
Avanço social e informação
A família de Francinete ainda está longe dos benefícios de consumo da nova classe média. Mas já participa de uma parte desse avanço, ao perceber que tudo o que faz o setor público sai de seu bolso e das outras pessoas que o sustentam. É uma mudança de paradigma.
Uma das mazelas do país é a ideia disseminada de que o dinheiro público tem origem indeterminada. Trata-se de um equívoco com profundas raízes históricas, fincadas nos tempos de colônia e de Império. O bem comum era um benefício da coroa, ou, para os mais pobres, mais especificamente do senhor das terras em que viviam — muitos historiadores argumentam que o Brasil viveu um sistema quase feudal. O provimento d serviços, em suma, quase um favor.
Desde que vivemos em uma república, as coisas certamente mudaram, mas a sociedade ainda não conquistou a completa compreensão do funcionamento do Estado. É algo típico, aliás, de nosso desenvolvimento de dois passos adiante e um para trás. Fernando Henrique Cardoso, nos tempos de sociólogo, notou que o acesso do povo ao poder eleitoral se deu antes dos benefícios econômicos. É fácil para qualquer um concluir o resultado a que isso leva: a troca do voto por pequenas vantagens imediatas de bem estar, em um ambiente de carências extremas.
O entendimento de que o Tesouro Nacional não é um butim a ser saqueado pelos oportunistas, mas sim o resultado do suor de todos nós, é essencial para a consolidação da democracia. Se isso não foi ainda plenamente alcançado, há sinais de que estamos no rumo certo.
Uma consequência da nova compreensão é perceber que não é bom negócio trocar o voto por coisas baratas e imediatas. Quem sabe que destina aos cofres públicos metade da renda, por menor que seja, tende notar que está sendo enganado quando lhe propõem um par de sapatos em troca do apoio a um candidato.
Uma etapa além é ver que os recursos são limitados. Assim, ao reivindicar aumento da oferta de determinado serviços públicos, será preciso se conformar com a eliminação de outro, para si ou para outras pessoas. Ou então, todos terão de contribuir mais. O conflito subentendido nesse processo não é um problema. Ao contrário: a disputa dos grupos por espaço, de forma legítima, faz parte do exercício da cidadania.
Distribuição
História um pouco mais complexa é ver que a carga tributária, beirando 40% no Brasil, atinge as pessoas de forma bastante desigual. Quem recebe até dois salários mínimos paga em média o dobro de impostos do que os que estão nos estratos superiores. Por uma razão simples: os pobres não conseguem poupar, gastam tudo o que recebem para satisfazer necessidades imediatas. E o consumo é mais taxado no Brasil do que a renda e a propriedade.
Os brasileiros estão se descobrindo contribuintes. Quando também perceberem o quanto a carga de impostos é injustamente distribuída, talvez estejamos finalmente perto de uma reforma tributária digna desse nome.
Consumidores de baixa renda estão percebendo que pagam impostos embutidos em todos os produtos. Quando também se derem conta do quanto essa carga é desproporcional entre diferentes segmentos sociais, talvez estejamos finalmente perto de uma reforma tributária digna desse nome.
Com informações: site FENAFISCO