• 27 de outubro de 2012
 

CLÁUDIO LACOMBE, INTELIGÊNCIA E BONDADE

»EDUARDO ROCHAVIRMOND

Advogado, ex-presidente da OAB-PR e do Instituto dos Advogados do Parana, membro da Academia Paranaense de Letras

Na noite em que Victor Nunes Leal foi vitima do ato da ditadura com sua exclusão do Supremo Tribunal Federal, os amigos fieis foram prestar-me solidariedade. Entre eles, Jose Paulo Sepulveda Pertence (tambem demitido), Pedro Gordilho, Celio Silva,Jose Guilherme VIllela, Claudio Lacombe. Nessa ocasiao, Victor Nunes Leal dirigiu-se a Claudio Penna Lacombe e indagou: "Tern urn lugar para mim em seu escritório?" Respondeu Claudio: "A partir de sua entrada, Victor, 0 escritorio passa a ser seu". No dia seguinte, Victor chegou ao escritório do Claudio as oito horas da manha e pasmaos a obra. Antes disso, Pedro Gordilho, vindo da Bahia, procurou Claudio com uma carta e esperou no Supremo Tribunal a sua chegada. Quando se encontraram, Claudio lhe disse: "Comece amanha em meu escritório as oito horas", tal como veio a acontecer com Victor Nunes. Logo conceberam uma sociedade de advogados, talvez a primeira, com Victor, Claudio, Pedro, Pertence e Jose Guilherme, que se tornou modelo de sociedade de advogados, simples e objetiva, para todo 0 Brasil. A capacidade de aglutinação era comum a Victor, Claudio e Pedro, dai se seguir urn perfeito entendimento, tambern perfeito com Pertence e Jose Guilherme. Jose Guilherme fez logo urn seu escritório, que era sua aspirar,:ao, depois faleceu Victor Nunes, Pertence foi para 0 Supremo Tribunal, Pedro Gordilho fez 0 proprio, e Claudio, com Fernando Neves, fez como os outros notavel escritorio, que permanece ate hoje. Todos foram membros do Tribunal Superior Eleitoral, porem deles Claudio foi 0 primeiro e por sinal o unico a renunciar por se considerar incompativel com a atmosfera imposta pela ditadura. Claudioera livre, desimpedido, com seus únicos compromissos 0 direito, a advocacia, a cultura e a liberdade de pensamento, a que levava as ultimas consequências. E, em outro plano, os amigos, que cultivava com amor e dedicação afetuosa.

Quem era Claudio Penna Lacombe? Um dos primeiros advogados de Brasilia, onde chegou quando de sua fundação. Tal como Celio Silva e Oswaldo Trigueiro, mais alguns outros. Claudio era sólido associado ao escritório de Dario de Almeida Magalhaes no Rio de Janeiro e resolveu se aventurar na nova capital- em 1959 ou 1960, onde imediatamente assistiu e participou dos alvores da chegada do Supremo Tribunal e da totalidade de seus membros para Brasilia. A Dario de Almeida Magalhaes, exemplo de advogado brasileiro, urn dos maiores expoentes da advocacia, Claudio dedicava profunda admiração, considerando-o ate como se fora seu segundo pai. Graças a sua sabedoria, Claudio tornou-se urn dos poucos advogados mais importantes do pais, pela sua cultura, decencia, inteligência e luminosidade.

Mas ele nao foi somente advogado. Foicultor da literatura e da historia, se nao fossedo que se sabe de Claudio basta ver a sua densa biblioteca. Alem de Machado de Assis, naturalmente, ele cultivava Stendhal, Baudelaire, Tolstoi. Sabia de cor longos poemas de Franrçois Villon, seu predileto, que recitava em nossos almoços, de cor, em francês, quando the dava na telha. Assim como cançonetas francesas, poetas como Bocage, Camões e aqueles mineiros, tudo guardado na memoria. Sua amizade com Fernando Sabino e Rafael de Almeida Magalhaes era urn vinculo maior do que se possa imaginar.

Quando eu ia a Brasilia, dedicavamos pelo menos urn dia inteiro em estimulante convivencia, regada a born vinho que escolhiamos antes com rigor, discutindo sobre obras de nossos autores prediletos, conversa intima - inteiramente regida pela nossa grande afinidade. Claudio Lacombe, além de grande cultura, eivava 0 corar,:ao de grande bondade, que se apreciava quando demonstrava sua indole de igualdade com todos, inclusive os mais simples, as figuras mais mpdestas - que preferia aos supostamente mais importantes. A sua cultura jurídica era sólida, invejável e tinha o descortínio como advogado com o dom profundo pela natureza da profissão.

Subitamente, foi tornado pela doença, que chocou a todos nos, com a qual nunca nos conformaremos, que julgávamos inacreditável, impossivel de acontecer com alguém tão lúcido, tão espirituoso, tão grandioso em sua índole de alegria e de comunicabilidade.

Para os amigos, Claudio era exemplo de cidadão, de homem versátil integrado na cultura e na história brasileira, de amigo de todas as horas, de carinho e afeto que cultivava aqueles, como nos, que estávamos proximos. Há muito 0 que dizer, outros o dirao. Repetimos com T. S. Eliot a orar, aoque nos comove: "Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte".